sábado, 15 de maio de 2010

::: Fatalidade ou descaso com a area científica :::

  (Foto: Nelson Almeida/AFP)
O incêndio ocorrido no Instituto Butantan neste sábado (15-05-2010) incinera uma história que iniciou-se em 1898, estimulado por um surto epidêmico de peste bubônica no porto de Santos, e sua criação foi oficializada em 1901. Treze anos mais tarde, foi inaugurado o Prédio Central do Instituto. Além de diversas pesquisas e projetos na área científica.
O instituto trabalha em vários projetos sobre o uso de venenos répteis, que estavam sendo usados no combate de doenças como Leishmaniose e o mal de Chargas. Recentemente, o Butantan também tem sido o órgão publico responsável pela produção de vacina da gripe H1N1 (gripe suína), a partir de amostras fornecidas pelo laboratório francês Sanofi Pasteur.
Não podemos esquecer que o prejuízo material, você recupera. O científico, não. Dizer a causa agora é precipitado. Mas um problema técnico é facilmente previsto ou detectado com fiscalização. Resta aguardar a versão da perícia. A perda é incrivelmente irreparável.
Por causa de líquidos inflamáveis como álcool, éter e formol, o fogo se alastrou rapidamente. Chamas que em pouco mais de uma hora acabaram com um acervo reunido durante um século.
A maior coleção de cobras dos trópicos do mundo, com 85 mil exemplares, utilizados em pesquisas científicas, se perdeu no meio do fogo. Amostras de aranhas e escorpiões também foram consumidas pelas chamas.
Culpar quem? O veneno da cobra ou o desleixo daas autoridades? Será que se esse Instituto fosse num país que conserva sua história, sua memória, teria acabado em cinzas como tudo acabou? Hummm, acho que não. Certamente não.
Aliando o real com o imaginário, dá até pra fazer um Mapa Astral do ocorrido, rsssss...

Numa manhã radiante, o sol penetra na região do demônio faiscante Algol.
Lua e Vênus no horizonte! Muito elemento feminino na hora do incêndio....
Um prédio velho e o despeito ou o desrespeito.
A destruição guiada por um louco ou apenas fatalidade...
Quem culpar? Fica a pergunta.
Não quero a pergunta, eu quero a resposta.
LUTO MUNDIAL




segunda-feira, 10 de maio de 2010

::: A Universidade é uma instituição feudal :::


Terminei a leitura de Os Intelectuais na Idade Média, de Jacques Le Goff.[1] Compreender as origens é fundamental para a compreensão do presente. Conhecer o intelectual e a universidade medieval nos ajuda a entender o intelectual e a universidade atuais. Percebemos, então, como a tradição resiste ao tempo, como os mortos assombram os nossos cérebros e revivificam pelos nossos hábitos. Consideramos-nos modernos – alguns até falam em pós-moderno – mas, de fato, muito do habitus do intelectual acadêmico de hoje tem a ver com os nossos ancestrais. Os tempos são outros e ocorreram transformações. Não obstante, é aconselhável levar em consideração a tradição, a continuidade na descontinuidade, as permanências nas rupturas históricas.

A leitura de Os intelectuais na Idade Média foi motivada pela curiosidade intelectual, pelo desejo de conhecer melhor a história da instituição à qual me encontro estritamente vinculado.[2] Mas também é parte do esforço de compreensão das práticas no campo[3] acadêmico. Está ligado ao projeto de pesquisa Sociologia da prática científica, desenvolvido com o Prof. Dr. Walter Praxedes e vinculado ao Grupo de Pesquisa em Sociologia do Conhecimento e Educação.

A universidade, em suas origens, é feudal, mas é urbana – e esta é uma das suas características determinantes: “No início foram as cidades. O intelectual da Idade Média – no Ocidente – nasceu com elas. Foi com o desenvolvimento urbano ligado às funções comercial e industrial – digamos modestamente artesanal – que ele apareceu, como um desses homens de ofício que se instalavam nas cidades nas quais se impôs a divisão do trabalho”, afirma Le Goff.[4] O intelectual típico da Idade Média é aquele “cujo ofício é pensar e ensinar seu pensamento”. Como ressalta Le Goff, é a “aliança da reflexão pessoal e de sua difusão num ensino” que caracteriza o intelectual medieval.[5]

Eruditos, clérigos*, pensadores, etc. Várias são as palavras para designar o intelectual da Alta Idade Média que desenvolve-se nas escolas urbanas do século XII e manifesta-se nas universidades do século XIII. Ele é o elemento central desta corporação específica, a universidade:

“O século XIII é o século das universidades porque é o século das corporações. Em cada cidade em que existe um ofício agrupando um número importante de membros, esses membros se organizam para a defesa de seus interesses, a instauração de um monopólio de que se beneficiem. É a fase institucional do impulso urbano que materializa em comunas as liberdades políticas conquistadas, em corporações as posições adquiridas no domínio econômico. Liberdade aqui é equívoco: independência ou privilégio? Encontrar-se-á essa ambigüidade na corporação universitária. A organização corporativa já petrifica o que consolida”.[6]

Combatida pelas autoridades eclesiásticas e pelo poder civil, a universidade corporativa encontra apoio no papado. Paradoxalmente, coloca-se sob as asas protetoras do poder espiritual, a despeito da sua tendência ao laicismo. São as contradições inerentes a uma instituição que precisa barganhar para sobreviver, manter e ampliar privilégios. Ao se aliar ao sumo pontífice, o intelectual termina por se submeter. A Santa Sé tem interesses e o favorece para domesticá-lo. A corporação universitária conquistou a independência em relação às forças locais, sob o preço de torna-se uma corporação eclesiástica.[7]
Eis uma ambigüidade que persistirá. A universidade se pretende autônoma, mas depende dos recursos do Estado. Como sua antecessora medieval, ela tem privilégios a defender. E, claro, os que dependem dela. Seu caráter corporativo se mantém atual.

[1] LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
[2] Refiro-me à universidade em geral, e não apenas à universidade específica na qual trabalho.
[3] Utilizo “campo” enquanto conceito criado pelo sociólogo Pierre Bourdieu, uma das referências bibliográficas principais da pesquisa que desenvolvemos.
[4] LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p.29.
[5] Idem, p.23.
* Como observa o tradutor, Marcos de Castro, em nota de rodapé: “A palavra do original, clerc, te em francês, além do sentido de membro do clero, o de sábio, erudito, intelectual, o que não acontece com “clérigo” em português” (LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 23).
[6] Idem, p.93.
[7] “Ainda que seus integrantes estejam longe de pertencer às ordens; ainda que, cada vez mais, ela vá abrigar em suas fileiras puros leigos, os universitários passam todos por clérigos, estão ligados às jurisdições eclesiásticas, mais ainda: à jurisdição de Roma. Nascidos de um movimento que caminhava para o laicismo, integram-se à Igreja, mesmo quando buscam, institucionalmente, dela sair” (In idem, p. 100).
 
by Antonio Ozaí da Silva
(Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (UEM); editor da Revista Espaço Acadêmico, Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e Revista Urutágua)